TDAH, Autismo e a banalização dos diagnósticos: o perigo dos rótulos na saúde mental
- Lucas Bueno
- 27 de jan.
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de fev.

Nos últimos anos, condições como TDAH e autismo têm sido cada vez mais mencionadas em conversas cotidianas, redes sociais e até na mídia. O que deveria ser uma conquista na conscientização sobre saúde mental tem se transformado, paradoxalmente, em um problema: o uso indiscriminado desses diagnósticos como rótulos que reduzem indivíduos a categorias simplistas.
Frases como “Tenho TDAH, por isso não consigo me organizar” ou “Sou autista, por isso não lido bem com pessoas” têm se tornado comuns, muitas vezes sem o respaldo de um diagnóstico criterioso. Mais preocupante ainda é o fato de que, em alguns casos, esses rótulos acabam sendo adotados sem uma avaliação profunda da história de vida, servindo mais como uma justificativa para dificuldades do que como um ponto de partida para um processo de cura e autocompreensão.
Esse cenário reflete um problema maior: o excesso de diagnósticos rápidos e o uso massivo de medicamentos, frequentemente feitos sem considerar o indivíduo em sua totalidade. Afinal, por que estamos reduzindo experiências humanas complexas a etiquetas e pílulas?
Diagnósticos como rótulos e a fuga da complexidade
Receber um diagnóstico pode, sim, ser libertador. Ele pode ajudar a entender comportamentos e dificuldades, proporcionando ferramentas para enfrentá-los. Mas, quando feito de forma apressada ou sem aprofundamento, o diagnóstico corre o risco de se tornar um rótulo que aprisiona, em vez de libertar.
Hoje, o que vemos com frequência é um uso quase banalizado de termos como TDAH e autismo, muitas vezes tratados como "moda". Essa banalização reflete tanto a pressa de alguns profissionais da saúde mental em rotular pacientes quanto a busca de muitas pessoas por explicações simples para questões complexas. Para alguns, carregar um diagnóstico oferece uma saída confortável: "Não preciso mudar, porque meu problema tem nome." Mas será que essa é a melhor solução?
O perigo da medicamentalização excessiva
A cultura da medicamentalização também desempenha um papel central nesse fenômeno. Muitos psiquiatras, pressionados por consultas breves e uma alta demanda de pacientes, acabam priorizando protocolos medicamentosos em vez de explorar a fundo a história de vida do indivíduo. O resultado? Medicamentos que tratam sintomas sem abordar as causas.
Não é raro encontrar casos em que pacientes chegam com um diagnóstico equivocado – como autismo ou TDAH – e, após uma avaliação mais criteriosa e prolongada, percebe-se que a origem de suas dificuldades está em traumas, ansiedade, depressão ou até questões de relacionamentos. Ainda assim, o remédio é muitas vezes a primeira e única resposta oferecida.
Isso não significa que medicamentos não sejam importantes. Eles podem ser indispensáveis em muitos casos, mas devem ser usados como parte de um tratamento integrado, que inclua um olhar profundo sobre o indivíduo e sua história.
A terapia como ferramenta de individualização
A terapia se destaca como o antídoto para essa tendência de simplificação excessiva. Diferente da rapidez de um diagnóstico ou da promessa de alívio imediato de um medicamento, a terapia oferece um espaço onde o indivíduo é visto como um todo. Não há pressa em rotular ou medicar; há tempo para escutar, explorar e compreender.
Na terapia, histórias de vida vêm à tona – memórias, padrões familiares, traumas e crenças que moldaram quem a pessoa é. Muitos comportamentos que parecem ser sintomas de um transtorno podem, na verdade, ser respostas a experiências difíceis não processadas. E é nesse espaço terapêutico que o paciente tem a oportunidade de se conhecer profundamente e construir caminhos reais de transformação.
Mas terapia não é fácil. Exige coragem para enfrentar o desconforto, paciência para lidar com o tempo do processo e compromisso com o autoconhecimento. Ainda assim, é nesse trabalho profundo que se encontra a verdadeira cura – não uma cura que apaga sintomas, mas uma que transforma a relação do indivíduo consigo mesmo e com o mundo.
Respeitando a complexidade humana
O que esse excesso de diagnósticos e medicamentalização muitas vezes ignora é a complexidade da experiência humana. Cada pessoa é única, formada por um conjunto de vivências, emoções e relações que não podem ser reduzidas a um código de diagnóstico. Ignorar essa individualidade é negligenciar a riqueza e a profundidade de quem somos.
Por isso, é essencial que profissionais da saúde mental – tanto psicólogos quanto psiquiatras – resgatem o valor de olhar para o paciente além dos sintomas. O diagnóstico é uma ferramenta, não um fim. E a história de vida deve ser sempre o ponto de partida.
Um convite à reflexão
A busca por diagnósticos rápidos e soluções fáceis reflete, em última análise, uma dificuldade maior: a de lidar com a complexidade da vida e do sofrimento humano. Como sociedade, precisamos resgatar o valor da escuta, da paciência e da profundidade. Como indivíduos, precisamos nos perguntar: estamos dispostos a enfrentar o desconforto do autoconhecimento ou preferimos nos esconder atrás de rótulos?
A escolha nunca é simples, mas sempre será mais transformadora escolher o caminho que nos desafia a crescer, a mudar e a nos conectar com nossa verdadeira essência. Afinal, como diz o ditado: "O que é fácil raramente é o que realmente importa."